segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Impressões digitais de um estranho País ( cont.)

137 - Por este rio acima Arraio por Espanha adentro E montes e vales e montes depois Palmilho França E recordo o eco de muitas vozes: Igualdade Fraternidade Liberdade. Por este rio abaixo Abraço o mar Enleio o oceano E muitas ondas e marés depois Para oeste ou para sul Retomo sonhos de comércio Entre dois dedos de conversa Com tribos diversas Desta aldeia que é o Mundo. Onde a velha rota da seda Quer por terra Quer por mar Onde a velha estrada incaica Rota de um império Que a Ibéria matou? Onde a velha rota malaia Dos corsários e mercantes Que levaram o arcabuz Ao império do Sol? Onde a velha praça das especiarias Que se agigantava entre marajás? Eram pequenos loucos e brutos Tinham alforges de sonhos Mesmo que roessem miséria Aos solavancos do escorbuto. Escarpa acima Planície abaixo Nada sabemos do futuro de agora E morremos Devagar morremos Com toda a esperança de renascer Num outro qualquer lugar Neste que já nos cansa.

138 - Neste aldeia planetária Impossível é Chegar à janela E não ver vizinhos : Derrocada de terras Chuva diluviana Vidas soterradas Brasil dos mil danos E depois Presidente que foge Tunísia a ferro e indignação Povo a empobrecer Austrália a arder Austrália a afogar-se em dilúvios E o Etna que resolve vomitar Alguns dos retratos Que desta janela Se podem captar Para não falar de outros Mais domésticos De violência e morte. Quando haverá lucidez Neste manicómio?! Mais vale ir para a Boa Nova E ouvir os passos do António Nobre E o olhar perdido da Florbela Espanca Enquanto se toma um chá na casa criada pelo Siza Vieira E o mar Nos ronca ou ronrona Uma qualquer estória De gaivotas gunchantes!...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Impressões digitais de um estranho País ( cont.)

133 - Ó terra minha Amada e triste Que em silêncio me amas Vais no caminho Por vezes me chamas Respondo e fico magoado Que pouco te demos Quando por nós tudo floriste Num jeito tão enamorado Ó terra minha Amada e triste Onde até o mar vem chorar Sabemos que falta despertar O Povo que luta e resiste Povo que somos de muito marear E tudo vê desperdiçar Povo que somos E dentro de nós Canta baixinho Lento e devagarinho Meu amor ó meu amigo Ergue-te de uma vez por todas Faz comigo as bodas Danças de rodas E ergue nova liberdade Que este terra que sou Tem do teu riso Saudade.

134 - Pouco a pouco Oiço dizer Que a madrugada Anda louca Esfaimada Por cada alvorecer Mesmo sem querer desperta gente Que muito tem de nada Pouco a pouco Vejo-lhe a carne aviltada Doente e revoltada Por tanta rua esgotada De gente confortada Pouco a pouco Vejo-lhe o corpo sofrido Vestir-se de luz Tornar-se colorido Para esconjurar Todo um beiral a gotejar Que o tempo não pára De resmungar Pouco a pouco Sinto que há muito a sufocar Pouco a pouco.

135 - Quero sonhar O céu a terra e o mar E planar Entre estrelas do céu e do mar Quero sorrir Toda uma nova manhã por abrir E florir Entre os poros de todo um povo a abrir Quero amar Cada grão de pólen a voltear E cantar Entre as ruas do sorrir e do chorar Quero sonhar O céu a terra e o mar Quero sonhar E semear E sonhar Quero.

136 - Difícil Todo este olhar o mundo E sorrir E cantar Quando a alma Treme a chorar Quando tudo Parece ruir E depois Percebemos Que a dor infesta Todos os poros De um tempo cansado Esganado Aldrabado E nós sentimos Orfandade maior De não haver amor Nos que dirigem um Povo E o roubam de tudo Com esgares de entrudo E voz de desdém.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Impressões digitais de um estranho País ( cont.)

130 - Banco Português (dos altos)Negócios. Templo da astúcia.Da aranha. Da inconfessável arteirice. Da rasteira. Do "bluff".Poltrona confortável Da pose honrada De tanto prestidigitador encartado. Imensa arena De todas as arengas mercantis.Matriz de todos os golpes Que derrotam Estados Que desonram Povos Que despem A soberba A ganância A cúmplicesabotagem Dos inefáveis senhores De todos os impérios Em acelerada decadência. As velhas senhoras do Nada. A desvergonha Das excelências. A nata conservadora Que tenta impôr servidões Reconduzindo ditaduras democráticas. Negando o sol a qualquer eira Empanturraram-se Nesse oásis da falcatrua. E tu Zé-Ninguém Ainda permaneces beato Dos que te colonizam?... Premeias a vileza?... O que és?...

131 - Somos terra e água. Barro que se amassa e molda. Ganha a forma que o oleiro lhe deu. E essa forma Ganhando vida própria Irrompe por aí Apreendendo Reapreendendo Pouco ou muito Tudo dependendo da concentração E deixa ou não deixa Acaba sempre limada Por tudo o que a ostenta como ser E é aquilo Que cada um dos outros Vê ou não vê Sendo para si O desnudo que não se mostra A qualquer outro.Um dia voltará ao pó Que já foi um dia Será apenas memória Se porventura o seu rastro Impregnou a vida dos outros. Um dia seremos apenas o que somos Quando já não o formos.

132 - O nosso rosto é A nossa mente E não propriamente O rosto que isto é. Precisamos de caminhar Na humildade do que somos E nunca propormos Tudo o que sabemos nunca lá estar.Poderemos ouvir Todas as línguas do mundo Mas nada é mais profundo Do que a que tivémos ao balir. Porque o nosso rosto é A nossa mente Que fala e sente Com a língua que nossa é.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Impressões digitais de um estranho País ( cont.)

128 - Malangatana resolveu partir. Exausto de sonhos De esperanças De murros De abraços De carícias E até de beijos. Deixou-nos uma vasta memória. Meninos e meninas. Mulheres e homens. Novos e velhos. Corpos pássaros. Corpos árvores. Almas solares. Almas lunares. Olham-nos. Falam-nos. Inquirem-nos. Raíz de África. Ventre da Humanidade. Moçambicanos Ele é o vosso estandarte sendo Flama negro-fogo Do Mundo. E se contava estórias!... Com a mesma força natural Com que gostava de amigos. Malangatana conheceu Mundo Será que o Mundo conhece Malangatana?!...

129 - Estamos com pé-fervido Neste abrir de ruas Onde as ruas se desmoronam. Dói-nos a alma Mais do que o corpo.Choramos rindo Dos nossos erros e blasfémias Que entronizaram Os nossos algozes. Temos uma dor De ave canora No nosso peito.Que praias teremos Quando o amanhã vier E nos solicitar o colo ?!... E olhamos os céus Esquadrinhamos o cosmo... Onde andará Deus? E há uma voz Bem dentro de nós Que nos sussurra: Remocem os vossos valores Sejam éticos Reaprendam a amar os seres Todos os que existem Não assassinem a natureza Lembrem-se de que a matéria é caduca Célere no ter e no perder de forças Há que agricultar o ser E deixar florir a Paz Nos canteiros da cultura E da amizade profunda À vida que nos namora Em cada ser. Há que aproveitar o tempo Sobretudo o de todas as dores Para cultivar flores E arrumar de vez Com todos os Adamastores.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Impressões digitais de um estranho País ( cont.)

125 - Por Janeiro Madrinha livrai-nos Do Zé Arteiro Por Janeiro Há que escolher Estado Social ou Estado Capital Madrinha quem irá vencer Neste inverno por Janeiro O Zé Arteiro ou O Zé Inteiro Madrinha quem será primeiro Neste inverno por Janeiro ?!...

126 - Arrasta dores No caminho burguês Humano talvez Que aos senhores De tanto castelo Nunca serás o mais belo Apenas carregador De todas as necessidades Que as leviandades Dos velhos senhores Produziram Para bem do Mundo E os mundos sucumbiram Ao som dos tambores De que tudo pode ruir Se se não diminuir Tudo o que te fazia crer Seres humano ser Com direito ao sol Vá de retro arrebol Proclamam os castelos Tu vais chorar e guinchar Mas eles os belos Continuarão a mandar E a retirar Tudo o que te possa Fazer acreditar Que ainda és humano Até que digas BASTA e os mandes pelo cano.

127 - Há todo um arraial Que fervilha esconso nos poros de muita gente Pode ser coisa banal Mas não deixa de ter algo de sonso E cada vez mais nos olha de frente.Há todo um vento de jogral Que sorri com ar magoado Nas veias das vilas e cidades Há qualquer coisa de doido em Portugal Que canta canção com ar de fado Rastos novos de velhas desigualdades.Há todo um arsenal Que resfolga esquivo Nas gargantas das vielas Porrada que se agita em arraial Salto de rufia altivo Calçadas que querem ser estrelas. Há toda uma feira semanal Que se diverte esmurrando ideias No cansaço de tanta gente Há saudades do País trigal Que alimentava as veias De um Povo triste quando o mar está ausente. Há todo um tempo seminal Que nos luziu ao ponto de nos trair Com cantos e encantos de sereias Há todo um novo tempo germinal Que nos agride para nos fazer florir Derrotando vampiros e alcateias. Há todo um coral de asas de mar Sobre este corpo de escamas Que no sopro de um Povo se incendeia Há todo um querer rasgar Pedras e muros quando reclamas Liberdade meu País minha aldeia.