domingo, 19 de setembro de 2010

11- A palavra veio de muito longe Dos confins dos tempos Transportada pela alma humana Não pode Não deve Ser vendida Nem hipotecada Nem trocada Como qualquer coisa Que as máfias disputam. Não mora em palácios Nem nas catedrais Nem nas ruas. A palavra vive Na essência humana Essa alma que nos redime Da lama que somos. Sem a palavra Seríamos apenas A aflição do gesto E não sei Se saberíamos mais Do que a agressividade.

12- Regresso Onde sorrias E te despias Regresso Com um açude No meu olhar Por tudo o que nos sufocaram Por toda a estrada Que roubaram Ao que escrevíamos Ao que pintávamos Mesmo quando Sobretudo quando Nos publicavam E nos negavam A porta aberta Para o horizonte.São os novos ditadores Ou apenas lavradores Do egoísmo sem lei. Ignorantes Mesmo quando querem Ser navegantes Dos labirintos culturais. Pensam em tudo Como mera fabricação de moeda. O que não serve Pode ser o melhor Mas não presta Porque não tilinta. Regresso Onde sorrias E te despias Regresso Com açudes No olhar.

13 - Caminhar Destino de quem vive De quem descobre A inocência De cada ser. Caminhar A impossível maresia Dos retornos A suave expectativa Das partidas A difícil clarividência Das catedrais Despidas dos tectos e das cúpulas. Caminhar Apenas um sopro ou um voo Nestes dias.

14 - Que palavras escondemos Ou se escondem Dentro de nós? Há muito de animal Que se degladia com outros Para conquistar Para manter Um qualquer lugar No grupo respectivo. Alheei-me Dessas lutas. Procuro manter a juventude Que habita o meu coração Que mora e viaja No meu cérebro. Algo que não perdoam. Outros. Todos os que nunca quiseram Viajar comigo. A maioria. E provocam. Ó velho!... riem. Se soubessem Quanta amargura escorre Do seu ar parvo Do seu riso de mastim Fugiriam deles próprios. Cheiram a podridão total E não sabem Enão sentem. Por tudo isto Agora sei porque muito negaram a luz A muito que tenho escrito. Se fosse rico Ou um qualquer mecenas!... Há demasiado oceano A exigir espaço O que pode terminar Com a presunção terráquea!...

15 - Há penugens de cagarras Nos bolsos da alma Que navegou Nas crinas atlânticas. Há poalha de vidros Nos olhos dos corpos Afogados de ciades. Há ventos de ironia e desdém Nas bocas de todos Que descem obrigados Escadas da fortuna. Há murros e socos Nas mãos iradas dos que enfrentam Doenças e males Com que a vida os atriaçoa. Há descrença no desespero Dos que veem a morte ceifar Entes queridos Que lavravam o bem. Há jardins de risos e afagos Em todos os que aceitam A vida Como bem querer. Há rotas de descoberta Em todos os que ousam Ultrapassar derrotando Cárceres dos sistemas Que nos esganam.

16 - Ah Esta saudade que trago Da liberdade que já tive E daquela outra Que mais desejei ter. Nestas ruas do mundo Em que tudo e todos Se transformam Em cruéis competições Há o esquecimento De quanta pacatez Se transforma em assassina Da natureza Homicida de almas Ladra de crenças Traficante de esperanças Mistificadora de essências Mercadora de protagonismos Covarde semeadora de joios. Quem nos sonegou Mapas dos novíssimos Caminhos da paz? Quem nos queimou As gramáticas da cultura? Quem nos rasgou os dicionários da amizade Da tolerância Entre os Povos? Urge encontrar o portal De nova e inovadora Dimensão. O que temos Já não tem sementes de sorrisos.

17 - E o rio corre Escorre Com toda a plangência Das cordas de uma guitarra Romanceando A única certeza Estamos vivos E tanto Que imprimimos Nossos passos nas areias Até que os ventos as varram E nos deixem apenas Memória Para ilustrar A voz que há-de bordar Estórias Com que imaginamos a Vida Que cumprimos Pouco a pouco Golo a golo Numa sorvência Que nem sempre dá Para saborear e dizer Se a colheita É de bom ou de menos bom ano.

18 - Chovo. Por dentro de mim. A tua ausência Rouba-me oxigénio. Quando surges Tudo se faz Para que não sonhes Ossos. Quando surges Apenas se oferta Musgo Estrelas Mar Rio. Não entendes A linguagem estranha Que a tua ausência Cria. Não entendes A tempestade que me varre Quando não falas Quando não surges. Dói-me a alma. Na tua ausência. Tu que sabes da jardinagem Do meu sorriso. Preciso de ti e não sei Como se fabricam A lua e o sol.

19 - A vida é um quase nada E o vento a jangada Que navega a tua pele Meu tempo Meu mundo Meu sonho de florescer No teu coração Além do universo Com toda a força Com toda a ternura Com todo o encanto de caber a vida Num único verso.

20 - Canto Fonte gotejante Voz Seiva Levadando a terra Mondego de mil saudades E todo um Tejo das mil cidades Que dançam em Lisboa Que prenhe de lua Anda de rua em rua Só para ouvir Fados que navegam A vida que somos A que inventamos A que amamos E odiamos E toda a outra Que desejamos. Canto Velhas tavernas Onde o anjo e o demo que somos Se abraçam Bailando toda uma noite Que penteiam Com toda a ternura Com que dois corpos Num só se tornam Sonhando Todo um mundo Sem tempo nem voz Mas que sente Com imensa fundura A vida da vida Que nos torna Uma escultura.

21 - Não posso Nem quero Aceitar Essa tua razão De virtude A escravidão A que me queres condenar Apenas quero sonhar Tentar alcançar Que a paz seja Fundo desejo Um beijo Mergulho neste mar.

22 - Revolucionário E operário Em frustração Quase perde o tino Nunca a razão neste desatino Crise em ascensão Bolor que tresanda À burla de quem manda No mundo Num País E rouba fundo Matando a raíz Do poder que detém Que um ser Não se mantém Se a terra Que o sustém Andar esfomeada Rica de nada Rota de esperança Uma vida Que não avança Um filho que olha o futuro E vê um muro Duro Difícil de abater Que o rio Que o trabalho é Tem que terbrio De ser uma só mão E agarre Toda esta corrupção E a torne construção De um mundo melhor Diferente Avançado De vez humanizado Livre de escravidão Capaz de colorir O baço de agora Que a vida é Sentimento Coração E está na hora De pôr em movimento A libertação.

23 - Não sei Se me ouvem Se me entendem Se resisto e ganho Ao egoísmo invejoso Que me tenta manietar E calar Destruindo Esta liberdade De lutar Por uma Humanidade Mais sã e clara e aberta Onde a descoberta De qualquer diferença Seja alegria E não nos vença esta razão fria Do que parece mais forte Apenas porque rouba a sorte Aos que mais se acovardam Em nome de um respeito Que nunca foi devido A quem nos desrespeita.

24 - Cinquenta e nove anos depois De ter visto a luz O mar que a vida é Ofertou todos os humores E este barco miúdo Que navega como pode E como a maré deixa Está usado demais Exausto e triste Apesar de querer Em cada dia renascer E não se render A todas as rebentações Que quase o esmagam Na balbúrdia das marés. Pais que não foram mais Que ditadores Abusadores Castradores De tudo e de nada Apenas porque sim. Mulheres que por amor Quiseram apenas devorar Limitar Domesticar aos seus desejos. Mais gente que quiz destruir Mentindo Roubando Tudo e nada Em nome de uma qualquer Algaraviada Que pouco teve de vida. Que fazer Na hora Em que tudo parece desabar? Apesar de tudo O barco frágil continua teimoso a navegar Entre o sol e a lua Contra quantos apostam Em o ver sucumbir Para de vezPoderem mentir Negando a exist~encia de quem usou A inteligência Para ajudar a florescer Em cada grão de tempo Um mais limpo amanhecer Mendigo de amor Eterno ouvinte da dor Que a rua do Mundo Não consegue conter. Junto a este Tejo Sereno e manso Que vai escorrendo até ao mar Espera-se apenas Que o verbo amar Nos revisite e reinvente Para que não deixe de navegar O peque no barco Que a vida é.

25 - "somos o esquecimento que seremo" escreveu o argentino Borges. Acabamos tecendo Pulverizando Tecendo cada sopro cada avo Do tudo Do nada Que somos mas sempre convencidos de que eternizamos Que mareamos Que somos fundamentais à vida. Nem quando semeamos Levedamos A nossa esperança O filho que julgamos A nossa garantia De continuidade. Convirá sermos crentes Para que não cresçamos Até ao esfíngico Do conhecimento.

26 - No País de todos os equívocos ( Viriato não era cavernícola Nem pasator dos Hermínios; Afonso não andou à porrada com a mãe; Henrique não teve escola náutica em Sagres; Sebastião não volta com o nevoeiro; Monarquia não era só viciosa E a república apenas virtuosa E mais E mais) Há que dizer A verdadeira crise De todas as crises É a consciência Que cada um tem Das coisas e dos seres. A maioritária Parece andar anémica. Emotiva. Demsiado sensorial. Acaba por condoer-se da vítima E a simpatizar com o arguido. Tanto que até o coroa E depois lastima-se Por voltar a ser vítima. No País de todos os equívocos A arte fulcral A arte de bam cavalgar toda a sela Como diria Duarte o esclarecido É este saber remendar Mantendo o essencial do pano Sempre imtacto e putrefacto. Safa!...Já desespera Quem vê O desfazer Do tecido. Vá. Costure-se mais um remendo... quem sabe Se à força de tanto remendar Não há-de tudo se esboroar Perfeita ilusão de espuma Que o mar oferta Para logo devorar. E depois... a lua faga Caminhos exíguos com um pouco de orvalho e hortelã.

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